AULA: 22/06/17
TAHKO,
T. E. Carnap's
Anti-metaphysical Project.
In: The necessity of metaphysics. PHD. Thesis (Department of Philosophy) – Durham
University, 2008, pp.45-55. (Tradução: Me. Victor Hugo de Oliveira Marques)
O PROJETO ANTI-METAFÍSICO
DE CARNAP[1]
É bem natural mover-se de Kant a Carnap, pois em Carnap ao menos,
indiscutivelmente, podemos ver a culminação da influência anti-metafísica de
Kant. O projeto anti-metafísico de Carnap, o qual é proximamente conectado com
o círculo de Viena e, ultimamente, ao não mais popular verificacionismo, é
talvez o projeto anti-metafísico mais a influente do século XX. A ideia fundamental por trás da atitude
hostil do positivismo lógico de Carnap para a metafísica é bem clara: somente
uma informação verificável, empírica, é relevante, o resto é crendice. É claro,
o projeto de Carnap foi, de fato, bem mais sofisticado do que isto. Felizmente,
Carnap ao menos explica o que ele quer dizer por ‘metafísica’, explicitamente:
Chamarei de metafísica todas aquelas proposições que alegam representar
conhecimento sobre alguma coisa que está além ou aquém de toda experiência, i.
é, sobre a real essência das coisas, sobre as próprias coisas, o absoluto
enquanto tal (Carnap 1935:461).
Talvez esta definição convenha aproximadamente a um tipo de metafísica,
cujos três metafísicos que Carnap menciona – Spinoza, Schelling e Hegel –
estejam comprometidos (ibid). Ocorre que, não sou muito satisfeito com esta
compreensão metafísica, isto é óbvio desde os capítulos anteriores. No entanto, a questão que permanece é se o
projeto de Carnap causou problemas para a metafísica tal como eu compreendo.
Certamente, penso que o conhecimento a
priori é crucial para a metafísica, e, como ele é subjacente a toda a
experiência, eu devo imaginar que Carnap também não apreciasse a metafísica no
sentido aristotélico. Isto, presumivelmente, inclui dizer a respeito de
essências e coisas em si mesmas, embora estas noções fossem necessárias para
clarificar, antes, qualquer conclusão que se pode delinear. Parece, de qualquer
modo, que a concepção de ‘alem ou aquém de toda experiência’, no sentido de
Carnap, é bem mais forte do que a noção de a
priori que associei com metafísica. Para
clarificar isto, vejamos outra passagem:
A decisão sobre a questão central da metafísica, i. é, se ela é significativa
em tudo e possui uma existência verdadeira e, portanto, seria uma ciência,
aparentemente depende inteiramente do que ela quer dizer por ‘metafísica’
(Carnap 1967: 295)
De fato, isto é verdade. É também ainda verdadeiro que ‘nos dias de
hoje’ não há unanimidade quanto a este ponto (ibid), como Carnap acrescenta
momentos depois. Carnap segue para refutar a visão de que a metafísica é uma ciência
conceitual, e, seguindo Bergson, acaba usando o nome ‘metafísica’ para o
não-racional, o processo intuitivo. Isto, é claro, não é de todo similar ao
modo como tenho caracterizado a metafísica, mas, novamente, minha concepção de
metafísica também não se encaixaria no que Carnap chama de ciência.
Assim, parece que Carnap nega certa ligação entre seu positivismo lógico
estrito e a ulterior não-racional metafísica. Para esta ligação, agora que o
nome ‘metafísica’ está em questão, não posso pensar se há um nome melhor do que
o aristotélico, no sentido que demonstrei no primeiro capítulo. Incidentalmente,
Carnap não diz muito sobre Aristóteles, mas ele empilha os pré-socráticos a
Platão com Spinoza, Schelling e Hegel.
Alguns dos argumentos de Carnap contra a metafísica são tão opinativos
que eu duvido que eles trabalhem contra qualquer espécie de qualquer
metafísica:
Os Metafísicos não podem impedir de tornar suas proposições
não-verificáveis, porque se eles as tornam verificáveis, a decisão sobre a
verdade ou falsidade de suas doutrinas passa a depender da experiência e, com
efeito, pertenceriam à região da ciência empírica. Esta conseqüência deve ser
impedida porque eles pretendem ensinar o conhecimento que é de um nível mais
alto do que aquele da ciência empírica. Assim eles são compelidos a cortar toda
a conexão entre suas proposições e a experiência; e precisamente por isto, o
procedimento deles os priva de qualquer sentido (Carnap 1935:462).
Eu não sei quais filósofos Carnap têm em mente aqui, mas é difícil de crer
que, mesmo aqueles que ele menciona, eles seriam tão desonestos como ele alega.
É claro para mim que qualquer filósofo respeitável ficaria bem feliz em acolher
resultados empíricos que apoiassem suas teorias. E é óbvio que ele teria também
de acolher resultados que falsificariam sua teoria. Talvez seja verdadeiro, no
entanto, que as teorias dos metafísicos que Carnap menciona sejam, senão impossíveis,
ao menos bem difícil de verificar ou falsificar. Mas alegar que isto é devido a
estes filósofos estarem receosos de que suas doutrinas quedem no reino das
ciências empíricas, isto é um bocado absurdo. É óbvio que isto faz sentido para
Carnap, pois ele está tentando por a metafísica junto com a poesia e a arte.
Não obstante, é claro que este aspecto do projeto anti-metafísico de Carnap não
tem uma influência sobre o tipo de metafísica que eu estou defendendo.
A originalidade do projeto de Carnap é claro a algures. Primeiro de
tudo, ele distingue uma representativa e uma expressiva função da linguagem. A
função representativa da linguagem é a função que a ciência empírica e a lógica
usam. A função representativa da linguagem consiste de sentenças que declaram certa
proposição. A função expressiva da linguagem, obviamente, inclui sentenças
representativas tão bem que elas também expressam alguma coisa, mas, conforme
Carnap, há uma vasta quantidade de sentenças que são somente expressivas,
vazias de qualquer valor de verdade. É bem fácil de ver que poesias e outras
artes pertencem a este grupo e, no sentido de Carnap, também a metafísica. Sua
hostilidade para com a metafísica, porém, é devido a seu alegado caráter
enganoso, pois a metafísica oferece uma ilusão do conhecimento: ela alega
afirmar alguma coisa quando ela apenas expressa, ou seja, oferece a falsa
impressão de declarar uma proposição (Carnap 1935: 465-467).
Este remodelamento pode ser contrastado com o posterior ensaio de
Carnap: “Empirismo, Semântica e Ontologia”. Notavelmente, nós estamos
interessados nas estruturas lingüísticas de Carnap. Sempre que desejamos falar
de um novo tipo de entidade, ele diz, devemos construir uma nova estrutura
lingüística (Carnap 1956: 14). Depois da introdução desta nova estrutura, um
novo conjunto de papeis, nós devemos distinguir as questões dentro desta estrutura
– questões internas – das questões que se referem ao sistema completo de entidades
– questões externas. O traço distintivo das questões internas é que elas podem
ser respondidas com a ajuda da investigação empírica: ‘O conceito de realidade
que ocorre nestas questões internas é um conceito empírico, científico e
não-metafísico’ (ibid). Terei uma ou duas coisas a dizer sobre esta citação
posteriormente, mas, por agora, é suficiente dizer que as questões internas são
obviamente significativas por serem questões ‘científicas’. Ao passo que
questões externas, questões sobre o mundo em si mesmo e sua realidade, são
questões de filosofia, ou seja, metafísicas.
Carnap oferece alguns exemplos das implicações disto. Com respeito ao
mundo das coisas, isto é, os objetos físicos no mundo espaço-temporal, nós
somos capaz de responder todas as espécies de questões empíricas até onde a
estrutura linguística apropriada é aceita. O processo de aceitação depende de
fatores como ‘eficiência, fecundidade, e simplicidade’ (Carnap 1956: 15), e
não, como se pode ver, sobre a correspondência com a realidade. Qualquer
questão externa que convém à realidade física espaço-temporal é, conforme
Carnap, é uma pseudo-questão. Questões concernentes a algo como números, porém,
são um pouco mais complicadas, ou, ao menos parecem ser, pois o status
ontológico dos números é discutível. Ainda, para Carnap, não há tais questões
como ‘O que é o status ontológico do número?’, pois ele pensa que isto é também
uma questão externa e não pode ser dada uma formulação na linguagem científica
(ibid).
O quadro que carnap apresenta para nós é claro: nós podemos apenas
operar dentro da estrutura da ciência empírica (e análise lógica), qualquer
questões externas a esta estrutura é pseudo-questão. Assim, a introdução de uma
nova estrutura linguística não requer qualquer resposta ontológica às entidades
que ela convém. Isto é porque Carnap pensa que a introdução de uma nova
estrutura não faz qualquer assertiva sobre a realidade. A partir disto, Carnap
delineia sua bem conhecida conclusão: nós deveríamos ser tolerantes com
respeito a diferentes estruturas linguísticas. É fácil concordar com este
ponto, porém alegar que estas diferentes estruturas não fazem qualquer asserção
sobre a realidade é, de fato, estranho, por isto não há como usá-las.
Além do mais, deveríamos olhar mais de perto a noção de Carnap de
realidade: a empírica, científica e não-metafísica realidade. Que tipo de
realidade é esta? Carnap é bem feliz ao aceitar que a ciência empírica é
envolvida com realidade em algum sentido – por exemplo, podemos dizer que
unicórnios não são reais. Ademais, as questões envolvidas com a ciência
empírica são presumíveis questões internas. Porém, seria peculiar se, ele diz, os
físicos concordassem com a alegação de Carnap que questões sobre a realidade do
espaço e do tempo físicos fossem pseudo-questões. Realmente, em um sentido
muito claro, cientistas pensam que a questão central de suas disciplinas são
realidades e que eles fazem asserções substanciais sobre a natureza desta
realidade. Como Carnap ressalta, se estas questões são tomadas como internas,
então elas são ‘analíticas e triviais’, qualquer outra compreensão destas
questões torna-as, quanto mais, pragmáticas (Carnap 1956: 17). Mas isto como
poderia ser tudo que há para ela?
Quando nos perguntamos se alguma coisa é real ou não, nós justamente queremos
saber se tais e tais entidades existem. Quando os físicos introduzem certas
partículas novas, existência que parece ser apoiada pela, eles dizem, evidência
empírica indireta, pois nunca havia, no entanto, sido vista; perguntamos: é ou
não real esta partícula? É difícil ver como isto poderia ser uma questão
interna, e claramente ela não é uma pseudo-questão que algum dia talvez pudéssemos
verificar ou falsificar a realidade daquela partícula. O mesmo aplica a muitas
das questões que Carnap alega serem externas, exceto, talvez, a questão sobre
objetos abstratos, tais como números e sua realidade. O problema é que Carnap
aplica a mesma ideia tanto para questões que dizem respeito a objetos abstratos
quanto a questões que dizem respeito a objetos concretos, embora sejam duas
questões diferentes.
Parece-me que Carnap está fazendo um “free lunch” aqui. Ele nega todas as falas sobre questões
ontológicas, mas toma com satisfação a ciência empírica por garantida. Isto
talvez seja a atitude de um não cuidadoso filósofo, mas um filósofo certamente
veria que há sérias questões ontológicas a resolver, antes de acolhermos a ciência
empírica de braços abertos. De fato, por que haveria demorado mais de dois mil
anos para encontrar o fundamento metafísico para a ciência?
Obviamente, Carnap não é ignorante a respeito deste tipo de discussão e
ele tem alguma coisa a mais a dizer. Carnap discute a respeito da ‘realidade
empírica’, a qual concerne, não surpreendentemente, objetos físicos (Carnap
1967: 273ff). Esta noção de realidade é suposta para ser capaz de separar
objetos reais físicos de não reais, tais como sonhos ou invenções. Porém, ele
reconhece que a realidade não é exaurida com objetos físicos: há também o que
ele chama de objetos psicológicos e objetos culturais, aos quais também envolvem
reais e não reais objetos. Os detalhes desta tese não nos interessam, interessa-nos
apenas notar que Carnap continua no mesmo problema quando tenta determinar que os
objetos sejam reais ou não, quando ele tenta fundá-los todos no uso linguístico
e na convenção, que, é claro, torna-os arbitrários, como Carnap mesmo nota
(Carnap 1967: 280). Um dos exemplos de Carnap dos casos problemáticos
concernentes aos objetos físicos é a consistência coletiva da ‘presente
vegetação da Europa Central’ (Carnap 1967:280). É bem claro que qualquer
investigação sobre a realidade de um objeto como este será bem problemática se
tudo que temos para recorrer é o uso lingüístico.
Vamos agora retornar ao “problema metafísico da realidade” e ver o que
Carnap tem a dizer sobre ele (Carnap 1967: 281ff). Carnap compreende a
‘realidade metafísica’ como segue: alguma coisa é real no sentido metafísico se
ela existe independente da consciência. Três escolas filosóficas surgem a partir
dos diferentes modos de acesso a questão: realismo, idealismo e fenomenalismo.
Carnap segue examinando se alguma destas três visões é compatível com sua
concepção de realidade empírica, sua hipótese é que todas elas pertencem a uma
não racional disciplina que ele chama: metafísica. Porém, ele admite,
inicialmente, que parece que seus objetos reais empiricamente teriam de ser
designados independentes da consciência, pois eles não dependem da vontade de
alguém. Mas Carnap refuta esta linha de raciocínio sobre a base que se algo se
mantém como um corpo físico na mão de alguém, ele muda se um ato apropriado da vontade é efetuado. Isto aparentemente
quer dizer alguma coisa como deixar cair o objeto ou jogá-lo contra uma parede.
Bem, isto é, de fato, correto, mas claramente este contra-exemplo não atinge
bem a noção de independente da consciência, pois a mudança que ocorre quando um
objeto físico é, digamos, deixado cair e esmagado, ocorre porque há certamente
outros objetos físicos presentes e que causam este acontecimento, a saber, a
mão que deixa cair o objeto e o fundo que ele atinge. Assim, o que seria
necessário para refutar esta consideração é um ato da vontade que causa uma
mudança sem ser beneficiada por outro objeto, nem mesmo a mão que está
segurando o objeto original. Dado, isto causa alguns problemas a mais, pois é
presumível um ato de vontade que move a mão e tudo mais, mas este é exatamente
o ponto: nós pomos a termo uma discussão altamente detalhada sobre a noção
metafísica de realidade e o que a envolve. Não há dúvida que esta discussão
deveria tomar nos dentro de uma profunda filosofia da mente enquanto tal.
Um ponto importante que Carnap faz é que nenhuma das três escolas –
realismo, idealismo ou fenomenalismo – estão em contradição com o que ele chama
de construção teórica, i. é, realidade empírica. Porém, não me satisfaço em ver
como isto é suposto para apoiar a visão de Carnap, pois a consideração da
realidade empírica que ele apresentará é exatamente o que estas diferentes
escolas estão tentando explicar. Em outras palavras, a realidade empírica é
mais ou menos o ponto de partida, e se as diferentes escolas estariam em
contradição com esta, então elas claramente falharam. É claro que estas
diferentes escolas se contradizem uma as outras e Carnap nota isto muito bem.
Ele pensa que não há um acordo epistemológico: elas estão puramente no reino
metafísico (Carnap 1967:286). De fato, isto é algo que eu praticamente
concordo, pois encontro, para um número de juízos, que a epistemologia é também
amiúde feita sem reconhecer o empenho metafísico no seu fundamento. Mas, é
claro que, eu não concordo com a alegação que a metafísica não é racional. Considera-se
o que Carnap permite no reino da epistemologia:
Em última instância, todo conhecimento volta para a experiência, a qual
é relatada por um outro, conectada e sintetizada; assim há um progresso lógico
que leva, primeiro a várias entidades de minha consciência, então aos objetos
físicos, ademais, com o auxílio do último, para o fenômeno da consciência de
outros sujeitos, i. é, para heteropsicológico
e por meio da mediação do heteropsicológico para os objetos culturais. Mas isto é a teoria do conhecimento na sua
completude (Carnap 1967: 286, itálico nosso).
Isto soa muito suspeito, e minha suspeita nasce exponencialmente quando
Carnap admite que aqui talvez pareça ser realismo no fundo de um procedimento
prático das ciências empíricas (ibid). Nesta diferença, Carnap diz que devemos
ter cuidado de distinguir o uso linguístico e a assertiva atual, pois ela é o
primeiro tipo de realismo que é envolvida com a física e tal. Isto é
dificilmente convincente; ver novamente a passagem acima citada. Não parece que
há um salto significativo entre “as várias entidades de minha consciência” e
“objetos físicos”? Haveria, pois isto é exatamente o salto que é usualmente
questionado em oposição ao realismo. E isto, de fato, é o “free lunch”
ontológico que eu penso que Carnap está tentado ter: receber coisas boas do realismo
sem fazer qualquer compromisso com os fundamentos metafísicos. Realismo pode
dificilmente ser fundado no uso linguístico e na convenção. Ademais, Carnap insite
que a metafísica é uma disciplina não-racional e que a disputa entre realismo,
idealismo e fenomenalismo assim não pode ser resolvida por sentido racional,
mas me parece que Carnap mesmo está tentando dar um argumento racional para o
realismo, embora, deixando muito a desejar, o funda no uso linguístico e faz o
caso um bocado menos convincente. Assim, se ele quer ou não, Carnap é de algum
modo um metafísico – do tipo aristotélico.
[1] [1] Tradução para fins didáticos utilizado na disciplina de Problemas
Metafísicos I: Ontologia na UCDB (2017). (N. do T.)
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