sexta-feira, 1 de setembro de 2017

A introdução da Opus Magnun de Kant inicia com a clássica expressão: "todo conhecimento principia com a experiência" - entendendo experiência como o ato pelo qual os sentidos são afetados. Esta afirmação é uma garantia para Kant de que, o que se pretende iniciar, tem que ter um acerto de contas com o empirismo. Assim, na ordem do dia, cronologicamente falando, nada precede a experiência.

Isso não significa que todo e qualquer conhecimento necessariamente tem sua origem na experiência., como pretendiam os empiristas. Kant alerta que, na experiência, não se tem clareza se realmente há conteúdos que podem ser acrescidos pela capacidade de conhecer. Para tal, faz necessário uma análise mais rigorosa.

Admitindo-se, de algum modo, a existência de conhecimentos que, durante a experiência, não são recebidos pelos sentidos, mas acrescidos pela capacidade de conhecer, estes, em sua possibilidade, devem ser chamados de a priori. Já aqueles oriundos exclusivamente dos objetos que afetam os sentidos devem ser nomeados de empíricos ou a posteriori. Neste sentido, os conhecimentos a priori são totalmente independentes da experiência, sendo, seu contrário, os conhecimentos a posteriori.

Um observação ao texto de Kant é importante. O conceito de a priori não é originário nem seu uso é original de Kant. Segundo o verbete do Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, o termo a priori tem três significados dentro da história da filosofia:

[A] DEFINIÇÃO METAFÍSICA: "Da causa ao efeito" (Alberto da Saxônia [alemão], séc. XIV) - demonstração usada até o século XVII.
[B] DEFINIÇÃO EPISTEMOLÓGICA: "conhecimento obtido pela razão sem experiência" (J. Locke, séc. XVII) - tipos de conhecimento.
[C] DEFINIÇÃO LÓGICA: "auto-evidência analítica das tautologias" (Reichenbach, sé. XX) - evidência 

Pelo visto, Kant se assenta na tradição epistemológica do empirismo para conjecturar sua noção de a priori.

Ora, conhecimentos a priori implicam em juízos a priori, assim como conhecimentos a posteriori implicam em juízos a posteriori. Um juízo a priori é aquela operação mental cujo assentimento do espírito se dá pelos conceitos e, por consequência, é absolutamente independente da experiência. Em outras palavras, é aquela operação mental cujo assentimento é a priori em função da a prioricidade dos conceitos. Como exemplo:

'Toda causa tem efeito'

 Assim, Kant conclui que todo juízo a priori cujos conceitos também são a priori é denominado de puro, pois sua operação (o assentimento) e seus conceitos são totalmente independentes da experiência. Um juízo a posteriori ou empírico é aquele que o assentimento do espírito depende da experiência para assentir. Como exemplo temos:

'A casa é amarela'

 A experiência, afirma Kant, oferece a verdade de como algo é constituído em algum modo. Afirmar isto sobre a experiência é o mesmo que dizer que a experiência não oferece possibilidades sobre o dado, ou seja, não oferece nada mais do que aquilo que foi dado. Neste sentido, um proposição cujo juízo é a posteriori nunca será universal em absoluto. Para Kant, a universalidade empírica é uma extensão arbitrária, i. é, é uma universalidade que tem validade para a maioria.

Já proposições a priori possuem juízos a priori, ou seja, necessários em si mesmo. Neste caso, um juízo puro é aquele que em nada depende de outro que não ele mesmo, ainda que este outro seja uma outra proposição. Em outras palavras, tanto os conceitos quanto a relação estre si é necessária e independente de toda e qualquer experiência. Portanto, um juízo a priori é rigorosamente universal: sem exceção e totalmente (nem os conceitos nem a operação) independente da experiência.

Ora, prossegue Kant, o fato de se reconhecer que na experiência há dados que não possuem sua origem externa aos sentidos - ou seja,  dados que não possuem objetos correspondentes, aqui chamados de conhecimentos a priori - e, pelos quais, se pode construir juízos cuja validade se dá independente da experiência, não segue que eles podem ser estendidos "para além de todo e qualquer limite da experiência". Independência da experiência não é sinônimo de ilimitação. Segundo Kant, os conhecimentos a priori desta natureza, i. é, que se pretendem ilimitados, são basicamente três: Deus, a imortalidade e a liberdade.
 
Estes conhecimentos, por sua vez, são objetos específicos da Metafísica e é ela que procura resolvê-los. Na visão kantiana, a Metafísica não faz a análise crítica de seus pretensos conhecimentos a priori, tomando-os como algo verdadeiro, e, portanto, assumindo uma postura dogmática. Porém quem oferece esta pseudo confiança, no entender de Kant, é a matemática. Ela, por trabalhar com objetos que são a priori não se dá conta que estes mesmos objetos podem ser representados na intuição. Uma das razões que leva Kant a rechaçar a ideia de um conhecimento a priori sem limites (sem algum tipo relação com a experiência) é sua ausência novidades. O filósofo argumenta que a maior parte da atividade da razão está na "análise de conceitos", sendo que estes já estão de posse do sujeito. Neste sentido, estes conceitos produzem apenas conhecimentos que são meramente "esclarecimentos ou explicações" daquilo que já foi pensado. Em outras palavras, são decomposições de conceitos.  
 
Destarte, percebendo Kant que a tendência de quem lida com conhecimentos a priori é de construir juízos desta mesma natureza sem nenhum tipo de limite (como é o caso da metafísica), então seria necessário analisar rigorosamente o modo de operar de cada um dos tipos de juízos. Juízos cujos conceitos são de origem a priori são chamados de "analíticos" ou "explicativos" e eles operam da seguinte forma: os predicados necessariamente são atributos do sujeito. A comprovação deste tipo de juízo é o princípio de não contradiçãoOu seja, 

'Se B é um predicado analítico de A (i. é, é um atributo necessário para se compreender A) é contraditório dizer o contrário'. 

Por esta razão, os juízos analíticos são verdadeiras decomposições conceituais. Já os juízos cujos conceitos e sua validação são provenientes da experiência, a posteriori, sua operação é chamada de "sintética" ou "extensiva", pois ela acrescenta realmente algo de novo ao sujeito. Nos juízos sintéticos, o conhecimento é ampliado ao sintetizar o predicado no sujeito.

Ora, a preocupação de Kant não é nem com os juízos analíticos somente [defendidos em sobremedida pelos racionalistas] e nem com os sintéticos [louvada pelos empiristas], pois os analíticos, como já se disse, não é um conhecimento propriamente dito, e sim uma decomposição do que se sabe; e os sintéticos, também como já foi afirmado anteriormente, pela sua origem a posteriori, não alcança a universalidade. Qual é então a saída para um verdadeiro conhecimento, ou seja, como é possível o conhecimento? A saída é a verificação da possibilidade de conhecimentos "sintético a priori".

Para discutir sobre a possibilidade de juízos sintéticos a priori é necessário derrubar a ilusão matemática de que é possível sustentar verdades a partir de juízos analíticos. Em uma operação matemática básica qualquer, 7 + 5 =12, acredita-se que sua operação seja totalmente a priori. Porém Kant contra-argumenta que não há nada na compreensão do conceito de "soma de sete e cinco" que lembre a compreensão de "doze". Em outras palavras, para que esta soma básica pudesse ser analítica, e portanto defendida como a priori, deveria ser justificada pela presença necessária do conceito "doze" na compreensão do conceito "soma de sete e cinco". Ao decompor o conceito "soma de sete e cinco" não se encontra o conceito "doze". Conclusão: os juízos matemáticos são sintéticos e não analíticos.

Um vez discutido a pseudo impressão de verdades de juízos a priori com base na matemática tal como faz a Metafísica, Kant retorna sua questão central: "possível juízos sintéticos a priori"? Recordando Hume, Kant argumenta que há neste um erro e um acerto: Hume acerta quando faz a crítica ao princípio de causalidade tomado como um princípio a priori, ao passo que erra ao se fixar em demasia nos juízos sintéticos ocasionando na transformação de todo e qualquer conhecimento em meros hábitos. Para Kant, a Metafísica não é um conhecimento que deve ser desconsiderado, pois há exigências próprias muito mais que vaidades dedutivas. A pergunta pela origem do universo é uma exigência metafísica válida, ainda que sua resposta ou suas respostas sejam puras especulações da razão. Neste sentido há uma "disposição natural" para a metafísica denominada de "metaphysica naturalis".

A metafísica para Kant erra quando aceita dogmaticamente as especulações sem uma crítica prévia. Logo a pergunta não é se "a metafísica é possível", mas se ela é possível "como ciência". Ser possível como ciência, para Kant, é fazer a crítica da razão, em outros termos, não aceitar dogmatismo e ceticismo. Mas o que é uma crítica da razão? Explica Kant: 

"não se ocupa dos objetos da razão, cuja variedade é infinita, mas tão somente da razão, de problemas todos eles inerentes à sua área e que lhe são propostos, não pela natureza das coisas, que são distintas dela, mas pela sua própria natureza".

A crítica da razão portanto tem por objetivo conhecer a capacidade da razão, sua extensão e seus limites, em relação aos objetos da experiência. Dentro da crítica da razão Kant não pretende discutir toda a razão, apenas a razão pura. Em função de sua finalidade, a crítica seria uma ciência propedêutica, uma espécie de "especulação negativa" que, em princípio não serve para alargar a razão, ao contrário, estabelecer seus limites.


A crítica da razão pura é "um conhecimento que se ocupa menos dos objetos, que do nosso modo de os conhecer" e, em função desta razão, é possível a priori. Uma possibilidade desta magnitude é denominada por Kant de "transcendental". Uma filosofia, asserta Kant, que se ocupa deste tipo de conceito é chamada de Filosofia Transcendental e tem por dever investigar os princípios do conhecimento  analítico e do sintético a priori. Porém, neste tratado, assegura Kant, a restrição é para os sintéticos a priori. 

terça-feira, 1 de agosto de 2017

CRITÉRIOS DE DISTINÇÃO DOS CONHECIMENTOS


Segundo Kant, a experiência não oferece a "possibilidade", ou seja, não oferece algo que seja distinto daquilo que se mostrou. Neste sentido, juízos a priori remetem a características não dadas pela experiência como: a necessidade e a universalidade.

Proposições A priores (juízos a priores)
- São necessárias (que não pode não ser)

Proposições Puras (juízos e conceitos a priores)
- Não derivam de nenhuma outra proposição necessária
- São rigorosamente universais: não se admite exceção.

Proposições Empíricas:
- Nunca são universais: sua universalidade é suposta e comparativa por indução (extensão arbitrária)

DIFERENÇA ENTRE CONHECIMENTO PURO E CONHECIMENTO EMPÍRICO

Segundo Kant, a experiência é primeiro passo, na ordem cronológica, para se conhecer qualquer coisa. Por experiência, se entende: ato pelo qual os sentidos são afetados. Porém, a partir da experiência não se consegue distinguir: 

- o que é próprio dos sentidos.
- o que chegou até os sentidos.

A experiência neste sentido é mista, sendo composta tanto de elementos que recebemos por meio das impressões sensíveis quanto de elementos produzidos por nós mesmos. Se assim é, pode-se dizer:

- Aqueles conhecimentos que são independentes da experiência são chamados de A priori.
- Aqueles conhecimentos que são dependentes da experiência são chamados de A posteriori.

A partir desta divisão pode-se falar em: 

- Juízos a priori: são aqueles em que o assentimento da razão (que unem dois conceitos) se dá absolutamente independente de toda e qualquer experiência.
- Juízos a posteriori: são aqueles em que o assentimento da razão se dá dependente de alguma experiência.

Segundo Kant, há certos juízos em que parecem ser a priori, mas não são. É o caso de 

Toda mudança tem uma causa.

Neste caso, esta proposição é a priori pelo fato de que seu juízo é a priori. Porém, o conceito de mudança não é a priori. Assim temos:

- Uma proposição, cujo juízo (a união de seus conceitos) e seus conceitos (as ideias que compõem sujeito e predicado) serem a prioris, ela é Pura.
- Uma proposição, cujo juízo é a priori mas um de seus conceitos não são a priori, ela não é pura.
- Uma proposição, cujo juízo e conceitos são a posteriori, ela é Empírica.

SINTETIZANDO:

  • Conhecimento A priori: é aquele que não depende de nenhuma experiência.
  • Conhecimento A posteriori: é aquele que depende da experiência.
  • Proposição Pura: é aquela que em nada depende da experiência (juízo e conceitos)
  • Proposição Empírica: é aquela que depende da experiência.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

É muito comum nos estudos do conhecimento o uso indiscriminado de “Teoria do Conhecimento” e “Epistemologia”, como afirma Dutra (2010, p.09): “Epistemologia é o termo que mais frequentemente empregamos hoje para nos referirmos à ‘teoria do conhecimento’ – a disciplina tradicional dos currículos dos cursos de filosofia”. Outros nomes também são passíveis de serem encontrados, em especial, em manuais mais antigos, como é o caso do clássico “Teoria do Conhecimento (Gnosiologia e Criteriologia)”. Contudo, haveria uma distinção possível? Sim há.

Classicamente, Santos (1960, p.32, grifo nosso) argumenta: “... a Criteriologia seria a própria Teoria do Conhecimento ou Gnosiologia, na parte em que aprecia o valor dos nossos conhecimentos, quando ela enfrenta o tema principal e final, que é a verdade”; já a Teoria do Conhecimento ou Gnosiologia, propriamente, seria “um saber teórico do conhecimento, ponto de partida para o estudo da Metafísica, em seus diversos aspectos” (SANTOS, 1960, p.31). Em outras palavras, Gnosiologia, ou, que é o mesmo, Teoria do Conhecimento, por serem os termos mais antigos, são usados para estabelecer o campo do conhecimento que reflete todas as relações advindas do conhecimento, enquanto que Criteriologia, por ser mais recente, tem uma preocupação mais pontual e específica, que é a relação entre o conhecimento e a verdade. 

Com efeito, o que Santos não explica é que o termo “Gnoséologie”, cunhando pelo wolffiano Baumgarten, teve mais aceitação na Itália do que na Alemanha, preferindo, estes últimos, o termo do kantiano Reinhold: “Erkenntnistheorie”, ou seja, Teoria do Conhecimento. Por outro lado, o termo Epistemologia, apesar de remeter a uma origem muito antiga (do léxico episteme já conhecido pela Grécia antiga), tem um sentido bastante recente (ABBAGNANO, 2007). De acordo com Blanché (1975), a expressão, no sentido como conhecemos hoje, aparece pela primeira vez no suplemento Larousse ilustrado[1] em 1906. Em contrapartida, Dutra (2010) afirma que o termo “epistemology”, em inglês, é anterior a esta data, tendo sido introduzido no século XIX pelo filósofo escocês James F. Ferrier. Para a escola francesa, o termo épistémologie era usado, com mais frequência, para se referir à “filosofia da ciência”; mas hoje, com a influência exercida pela escola inglesa, o termo acabou também se referindo à teoria do conhecimento.

Para os ingleses, o que se compreende por epistemologia são duas situações: [1] a da justificação da veracidade das sentenças e [2] do processo de aquisição do conhecimento. Estes dois momentos são respectivamente denominados de epistemologias da justificação e da investigação, sendo que o primeiro trata dos processos lógicos da cognição e o segundo dos processos psicológicos da cognição. Seguindo Blanché (1975), para aquelas correntes em que não há conhecimento válido que não o científico, como é o caso das teorias advindas do positivismo, teoria do conhecimento e epistemologia se confundem e realmente devem ser tidas por sinônimas, uma vez que toda teoria do conhecimento só a é enquanto teoria do conhecimento científico. De outro modo ainda, há aqueles que fazem uso da epistemologia como filosofia da ciência ou mesmo parte da filosofia da ciência, ressaltando, nesta perspectiva, sua relação com a filosofia. Nesse caso, a epistemologia seria uma reflexão filosófica sobre os princípios, métodos e fundamentos da ciência em geral, não se restringindo apenas à sua possibilidade cognoscitiva.

Com efeito, se tomarmos a distinção feita por Zilles (2008) temos: epistemologia ou teoria da ciência é “o estudo dos princípios, dos critérios, dos processos e da metodologia das ciências” (ZILLES, 2008, p.34), que hoje, praticamente, segundo este autor, se restringe a uma espécie de lógica aplicada. Neste sentido, seja empírico ou não, as teorias das ciências já pressupõem o conhecimento e a formulação de que este é verdadeiro ou falso. Enquanto que a teoria do conhecimento, não pressupondo o conhecimento, não é uma ciência empírica, mas filosófica. Ademais, prossegue Zilles (2008), a teoria do conhecimento não é metafísica – ainda que, segundo Santos (1960, p.31), ela seja “o ponto de partida para o estudo da Metafísica”[2]. Isso significa que, rigorosamente, a teoria do conhecimento seria “ciência não-empírica do empírico” (ZILLES, 2008, p.37); ou, como vai dizer Santos (1960, p.31): “é um saber teórico do conhecimento”; ou ainda nos termos de Hessen (2003, p.13) “teoria material da ciência ou como teoria dos princípios materiais do conhecimento humano”.

Para nós, contrariando as filosofias inglesas e positivistas e nos aproximando da filosofia francesa bem como de toda tradição filosófica, o que se considera propriamente por “epistemologia” é aquela teoria que trata do conhecimento especificadamente científico. A partir dessa especificação, a epistemologia se distingue da “teoria do conhecimento” e ou “gnosiologia” na medida em que esta se preocupa com a possibilidade do conhecimento em geral. Desse modo, a teoria do conhecimento seria mais abrangente, de modo até incluir a epistemologia como uma de suas divisões; enquanto que a epistemologia se restringiria às especificações internas do conhecimento científico. É claro que a epistemologia acaba interagindo com essas três instâncias: a inteligibilidade científica, a teoria do conhecimento e a filosofia da ciência, demarcando maiores ou menores participações dependendo das perspectivas a que se persegue. 

Propriamente, a Teoria do Conhecimento é um campo atual, pois “Historicamente, nem na Antiguidade grega nem na chamada Idade Média, nem em nossa cultura, há propriamente uma disciplina autônoma que se possa considerar como sendo a Gnosiologia, embora os temas gnosiológicos estivessem presentes desde os gregos, sobretudo no período crítico dos sofistas, e em todos os momentos dramáticos da filosofia” (SANTOS, 1969, p.31). Na Escolástica, dá continuidade o mesmo autor, há algumas tentativas de abordagens de temas gnosiológicos na Lógica Maior – a qual gerou a distinção clássica de Lógica Maior e Menor –, mas é na modernidade, com Locke, que se pode dizer que uma teoria do conhecimento se configura enquanto tal: “Locke considerado, historicamente, o fundador dessa disciplina com sua obra ‘An essay concerning human understanding’, em 1690, onde pôs em discussão o problema do conhecimento”. 

Por outro lado, na filosofia continental, “Muitos consideram que é propriamente com Kant, em sua ‘Crítica da Razão Pura’, que a Gnosiologia se estruturou numa disciplina autônoma...” (SANTOS, 1969, p.31-32). Seja como for, mesmo com um aparecimento consideravelmente recente, sua gênese remonta à gênese da própria ciência no século XVII. De acordo com Dutra (2010), algumas obras podem ser lembradas como “precursoras” do sentido contemporâneo da epistemologia, a saber: Ensaio sobre o entendimento humano (Livro IV) – Locke[3], Novos ensaios – Leibniz, Discurso preliminar à enciclopédia – D’Alembert, Filosofia do Espírito Humano – Dugald Stewart, Curso de filosofia positiva – Comte e Discurso preliminar ao estudo da filosofia natural – John Herschel. 

Com Fichte, sucessor imediato de Kant, a teoria do conhecimento aparece, pela primeira vez, como “teoria da ciência” (HESSEN, 2003) e com Schelling e Hegel a amálgama de teoria do conhecimento e metafísica ganhará livre curso, mas não só nestes como também em Schopenhauer e Hartmann. É somente com o Neokantismo da segunda metade do século XIX que “esforça-se por separar nitidamente o questionamento metafísico do epistemológico. No entanto, o problema epistemológico foi tão vigorosamente empurrado para o primeiro plano que a filosofia corria o perigo de reduzir-se à teoria do conhecimento” (HESSEN, 2003, p.15).

De modo geral, argumenta Dutra (2010, p.09-10), “O período que compreende os trabalhos dos racionalistas continentais europeus, de René Descartes a Immanuel Kant, e também da tradição empirista britânica, de Locke, Berkeley e Hume, constitui aquele em que surgiu e se consolidou a epistemologia [teoria do conhecimento] como disciplina filosófica...”; e a tendência geral é “... identificar a epistemologia apenas com o trabalho de elaborar teorias do conhecimento (e da justificação), e de tomar as teorias da investigação como assunto ou da filosofia da ciência, ou da metodologia científica...” (DUTRA, 2010, p.10).

Referências

ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
BLACHÉ, R. A epistemologia. Lisboa: Presença, 1975.
DUTRA,L. H.de A.Introdução à epistemologia. São Paulo: Unesp, 2010.
HESSEN, J.Teoria do Conhecimento. 2ed. São Paulo: Martins Fontes,2003. 
SANTOS, M. F. dos. Teoria do Conhecimento (Gnosiologia e Criteriologia). São Paulo: Logos, 1960.
ZILLES, U. Teoria do Conhecimento e teoria da ciência. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2008.

__________
[1]A palavra epistemologia, que significa literalmente teoria da ciência, só recentemente foi criada [...] Segundo o Dicionário de Robert, o seu aparecimento nos dicionários franceses data de 1906, no suplemento do Larousse ilustrado. Cf. BLANCHÉ, 1975. 
[2] Argumenta Zilles (2008, p.36): “a ideia tradicional é que a teoria do conhecimento, como disciplina filosófica própria, opõe-se à ideia de metafísica. Para isso não faltam exemplos da história da filosofia...” 
[3] Cf. An Essay concerning Human Understanding, publicado em 1690.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

AULA: 22/06/17

TAHKO, T. E. Carnap's Anti-metaphysical Project. In: The necessity of metaphysics. PHD. Thesis (Department of Philosophy) – Durham University, 2008, pp.45-55. (Tradução: Me. Victor Hugo de Oliveira Marques)


O PROJETO ANTI-METAFÍSICO DE CARNAP[1]


É bem natural mover-se de Kant a Carnap, pois em Carnap ao menos, indiscutivelmente, podemos ver a culminação da influência anti-metafísica de Kant. O projeto anti-metafísico de Carnap, o qual é proximamente conectado com o círculo de Viena e, ultimamente, ao não mais popular verificacionismo, é talvez o projeto anti-metafísico mais a influente do século XX.  A ideia fundamental por trás da atitude hostil do positivismo lógico de Carnap para a metafísica é bem clara: somente uma informação verificável, empírica, é relevante, o resto é crendice. É claro, o projeto de Carnap foi, de fato, bem mais sofisticado do que isto. Felizmente, Carnap ao menos explica o que ele quer dizer por ‘metafísica’, explicitamente:

Chamarei de metafísica todas aquelas proposições que alegam representar conhecimento sobre alguma coisa que está além ou aquém de toda experiência, i. é, sobre a real essência das coisas, sobre as próprias coisas, o absoluto enquanto tal (Carnap 1935:461).

Talvez esta definição convenha aproximadamente a um tipo de metafísica, cujos três metafísicos que Carnap menciona – Spinoza, Schelling e Hegel – estejam comprometidos (ibid). Ocorre que, não sou muito satisfeito com esta compreensão metafísica, isto é óbvio desde os capítulos anteriores.  No entanto, a questão que permanece é se o projeto de Carnap causou problemas para a metafísica tal como eu compreendo. Certamente, penso que o conhecimento a priori é crucial para a metafísica, e, como ele é subjacente a toda a experiência, eu devo imaginar que Carnap também não apreciasse a metafísica no sentido aristotélico. Isto, presumivelmente, inclui dizer a respeito de essências e coisas em si mesmas, embora estas noções fossem necessárias para clarificar, antes, qualquer conclusão que se pode delinear. Parece, de qualquer modo, que a concepção de ‘alem ou aquém de toda experiência’, no sentido de Carnap, é bem mais forte do que a noção de a priori que associei com metafísica. Para clarificar isto, vejamos outra passagem:

A decisão sobre a questão central da metafísica, i. é, se ela é significativa em tudo e possui uma existência verdadeira e, portanto, seria uma ciência, aparentemente depende inteiramente do que ela quer dizer por ‘metafísica’ (Carnap 1967: 295)

De fato, isto é verdade. É também ainda verdadeiro que ‘nos dias de hoje’ não há unanimidade quanto a este ponto (ibid), como Carnap acrescenta momentos depois. Carnap segue para refutar a visão de que a metafísica é uma ciência conceitual, e, seguindo Bergson, acaba usando o nome ‘metafísica’ para o não-racional, o processo intuitivo. Isto, é claro, não é de todo similar ao modo como tenho caracterizado a metafísica, mas, novamente, minha concepção de metafísica também não se encaixaria no que Carnap chama  de ciência.  Assim, parece que Carnap nega certa ligação entre seu positivismo lógico estrito e a ulterior não-racional metafísica. Para esta ligação, agora que o nome ‘metafísica’ está em questão, não posso pensar se há um nome melhor do que o aristotélico, no sentido que demonstrei no primeiro capítulo. Incidentalmente, Carnap não diz muito sobre Aristóteles, mas ele empilha os pré-socráticos a Platão com Spinoza, Schelling e Hegel.

Alguns dos argumentos de Carnap contra a metafísica são tão opinativos que eu duvido que eles trabalhem contra qualquer espécie de qualquer metafísica:

Os Metafísicos não podem impedir de tornar suas proposições não-verificáveis, porque se eles as tornam verificáveis, a decisão sobre a verdade ou falsidade de suas doutrinas passa a depender da experiência e, com efeito, pertenceriam à região da ciência empírica. Esta conseqüência deve ser impedida porque eles pretendem ensinar o conhecimento que é de um nível mais alto do que aquele da ciência empírica. Assim eles são compelidos a cortar toda a conexão entre suas proposições e a experiência; e precisamente por isto, o procedimento deles os priva de qualquer sentido (Carnap 1935:462).

Eu não sei quais filósofos Carnap têm em mente aqui, mas é difícil de crer que, mesmo aqueles que ele menciona, eles seriam tão desonestos como ele alega. É claro para mim que qualquer filósofo respeitável ficaria bem feliz em acolher resultados empíricos que apoiassem suas teorias. E é óbvio que ele teria também de acolher resultados que falsificariam sua teoria. Talvez seja verdadeiro, no entanto, que as teorias dos metafísicos que Carnap menciona sejam, senão impossíveis, ao menos bem difícil de verificar ou falsificar. Mas alegar que isto é devido a estes filósofos estarem receosos de que suas doutrinas quedem no reino das ciências empíricas, isto é um bocado absurdo. É óbvio que isto faz sentido para Carnap, pois ele está tentando por a metafísica junto com a poesia e a arte. Não obstante, é claro que este aspecto do projeto anti-metafísico de Carnap não tem uma influência sobre o tipo de metafísica que eu estou defendendo.

A originalidade do projeto de Carnap é claro a algures. Primeiro de tudo, ele distingue uma representativa e uma expressiva função da linguagem. A função representativa da linguagem é a função que a ciência empírica e a lógica usam. A função representativa da linguagem consiste de sentenças que declaram certa proposição. A função expressiva da linguagem, obviamente, inclui sentenças representativas tão bem que elas também expressam alguma coisa, mas, conforme Carnap, há uma vasta quantidade de sentenças que são somente expressivas, vazias de qualquer valor de verdade. É bem fácil de ver que poesias e outras artes pertencem a este grupo e, no sentido de Carnap, também a metafísica. Sua hostilidade para com a metafísica, porém, é devido a seu alegado caráter enganoso, pois a metafísica oferece uma ilusão do conhecimento: ela alega afirmar alguma coisa quando ela apenas expressa, ou seja, oferece a falsa impressão de declarar uma proposição (Carnap 1935: 465-467).

Este remodelamento pode ser contrastado com o posterior ensaio de Carnap: “Empirismo, Semântica e Ontologia”. Notavelmente, nós estamos interessados nas estruturas lingüísticas de Carnap. Sempre que desejamos falar de um novo tipo de entidade, ele diz, devemos construir uma nova estrutura lingüística (Carnap 1956: 14). Depois da introdução desta nova estrutura, um novo conjunto de papeis, nós devemos distinguir as questões dentro desta estrutura – questões internas – das questões que se referem ao sistema completo de entidades – questões externas. O traço distintivo das questões internas é que elas podem ser respondidas com a ajuda da investigação empírica: ‘O conceito de realidade que ocorre nestas questões internas é um conceito empírico, científico e não-metafísico’ (ibid). Terei uma ou duas coisas a dizer sobre esta citação posteriormente, mas, por agora, é suficiente dizer que as questões internas são obviamente significativas por serem questões ‘científicas’. Ao passo que questões externas, questões sobre o mundo em si mesmo e sua realidade, são questões de filosofia, ou seja, metafísicas.

Carnap oferece alguns exemplos das implicações disto. Com respeito ao mundo das coisas, isto é, os objetos físicos no mundo espaço-temporal, nós somos capaz de responder todas as espécies de questões empíricas até onde a estrutura linguística apropriada é aceita. O processo de aceitação depende de fatores como ‘eficiência, fecundidade, e simplicidade’ (Carnap 1956: 15), e não, como se pode ver, sobre a correspondência com a realidade. Qualquer questão externa que convém à realidade física espaço-temporal é, conforme Carnap, é uma pseudo-questão. Questões concernentes a algo como números, porém, são um pouco mais complicadas, ou, ao menos parecem ser, pois o status ontológico dos números é discutível. Ainda, para Carnap, não há tais questões como ‘O que é o status ontológico do número?’, pois ele pensa que isto é também uma questão externa e não pode ser dada uma formulação na linguagem científica (ibid).

O quadro que carnap apresenta para nós é claro: nós podemos apenas operar dentro da estrutura da ciência empírica (e análise lógica), qualquer questões externas a esta estrutura é pseudo-questão. Assim, a introdução de uma nova estrutura linguística não requer qualquer resposta ontológica às entidades que ela convém. Isto é porque Carnap pensa que a introdução de uma nova estrutura não faz qualquer assertiva sobre a realidade. A partir disto, Carnap delineia sua bem conhecida conclusão: nós deveríamos ser tolerantes com respeito a diferentes estruturas linguísticas. É fácil concordar com este ponto, porém alegar que estas diferentes estruturas não fazem qualquer asserção sobre a realidade é, de fato, estranho, por isto não há como usá-las.

Além do mais, deveríamos olhar mais de perto a noção de Carnap de realidade: a empírica, científica e não-metafísica realidade. Que tipo de realidade é esta? Carnap é bem feliz ao aceitar que a ciência empírica é envolvida com realidade em algum sentido – por exemplo, podemos dizer que unicórnios não são reais. Ademais, as questões envolvidas com a ciência empírica são presumíveis questões internas. Porém, seria peculiar se, ele diz, os físicos concordassem com a alegação de Carnap que questões sobre a realidade do espaço e do tempo físicos fossem pseudo-questões. Realmente, em um sentido muito claro, cientistas pensam que a questão central de suas disciplinas são realidades e que eles fazem asserções substanciais sobre a natureza desta realidade. Como Carnap ressalta, se estas questões são tomadas como internas, então elas são ‘analíticas e triviais’, qualquer outra compreensão destas questões torna-as, quanto mais, pragmáticas (Carnap 1956: 17). Mas isto como poderia ser tudo que há para ela?

Quando nos perguntamos se alguma coisa é real ou não, nós justamente queremos saber se tais e tais entidades existem. Quando os físicos introduzem certas partículas novas, existência que parece ser apoiada pela, eles dizem, evidência empírica indireta, pois nunca havia, no entanto, sido vista; perguntamos: é ou não real esta partícula? É difícil ver como isto poderia ser uma questão interna, e claramente ela não é uma pseudo-questão que algum dia talvez pudéssemos verificar ou falsificar a realidade daquela partícula. O mesmo aplica a muitas das questões que Carnap alega serem externas, exceto, talvez, a questão sobre objetos abstratos, tais como números e sua realidade. O problema é que Carnap aplica a mesma ideia tanto para questões que dizem respeito a objetos abstratos quanto a questões que dizem respeito a objetos concretos, embora sejam duas questões diferentes.

Parece-me que Carnap está fazendo um “free lunch” aqui. Ele nega todas as falas sobre questões ontológicas, mas toma com satisfação a ciência empírica por garantida. Isto talvez seja a atitude de um não cuidadoso filósofo, mas um filósofo certamente veria que há sérias questões ontológicas a resolver, antes de acolhermos a ciência empírica de braços abertos. De fato, por que haveria demorado mais de dois mil anos para encontrar o fundamento metafísico para a ciência?

Obviamente, Carnap não é ignorante a respeito deste tipo de discussão e ele tem alguma coisa a mais a dizer. Carnap discute a respeito da ‘realidade empírica’, a qual concerne, não surpreendentemente, objetos físicos (Carnap 1967: 273ff). Esta noção de realidade é suposta para ser capaz de separar objetos reais físicos de não reais, tais como sonhos ou invenções. Porém, ele reconhece que a realidade não é exaurida com objetos físicos: há também o que ele chama de objetos psicológicos e objetos culturais, aos quais também envolvem reais e não reais objetos. Os detalhes desta tese não nos interessam, interessa-nos apenas notar que Carnap continua no mesmo problema quando tenta determinar que os objetos sejam reais ou não, quando ele tenta fundá-los todos no uso linguístico e na convenção, que, é claro, torna-os arbitrários, como Carnap mesmo nota (Carnap 1967: 280). Um dos exemplos de Carnap dos casos problemáticos concernentes aos objetos físicos é a consistência coletiva da ‘presente vegetação da Europa Central’ (Carnap 1967:280). É bem claro que qualquer investigação sobre a realidade de um objeto como este será bem problemática se tudo que temos para recorrer é o uso lingüístico.

Vamos agora retornar ao “problema metafísico da realidade” e ver o que Carnap tem a dizer sobre ele (Carnap 1967: 281ff). Carnap compreende a ‘realidade metafísica’ como segue: alguma coisa é real no sentido metafísico se ela existe independente da consciência. Três escolas filosóficas surgem a partir dos diferentes modos de acesso a questão: realismo, idealismo e fenomenalismo. Carnap segue examinando se alguma destas três visões é compatível com sua concepção de realidade empírica, sua hipótese é que todas elas pertencem a uma não racional disciplina que ele chama: metafísica. Porém, ele admite, inicialmente, que parece que seus objetos reais empiricamente teriam de ser designados independentes da consciência, pois eles não dependem da vontade de alguém. Mas Carnap refuta esta linha de raciocínio sobre a base que se algo se mantém como um corpo físico na mão de alguém, ele muda se um ato apropriado da vontade é efetuado. Isto aparentemente quer dizer alguma coisa como deixar cair o objeto ou jogá-lo contra uma parede. Bem, isto é, de fato, correto, mas claramente este contra-exemplo não atinge bem a noção de independente da consciência, pois a mudança que ocorre quando um objeto físico é, digamos, deixado cair e esmagado, ocorre porque há certamente outros objetos físicos presentes e que causam este acontecimento, a saber, a mão que deixa cair o objeto e o fundo que ele atinge. Assim, o que seria necessário para refutar esta consideração é um ato da vontade que causa uma mudança sem ser beneficiada por outro objeto, nem mesmo a mão que está segurando o objeto original. Dado, isto causa alguns problemas a mais, pois é presumível um ato de vontade que move a mão e tudo mais, mas este é exatamente o ponto: nós pomos a termo uma discussão altamente detalhada sobre a noção metafísica de realidade e o que a envolve. Não há dúvida que esta discussão deveria tomar nos dentro de uma profunda filosofia da mente enquanto tal.

Um ponto importante que Carnap faz é que nenhuma das três escolas – realismo, idealismo ou fenomenalismo – estão em contradição com o que ele chama de construção teórica, i. é, realidade empírica. Porém, não me satisfaço em ver como isto é suposto para apoiar a visão de Carnap, pois a consideração da realidade empírica que ele apresentará é exatamente o que estas diferentes escolas estão tentando explicar. Em outras palavras, a realidade empírica é mais ou menos o ponto de partida, e se as diferentes escolas estariam em contradição com esta, então elas claramente falharam. É claro que estas diferentes escolas se contradizem uma as outras e Carnap nota isto muito bem. Ele pensa que não há um acordo epistemológico: elas estão puramente no reino metafísico (Carnap 1967:286). De fato, isto é algo que eu praticamente concordo, pois encontro, para um número de juízos, que a epistemologia é também amiúde feita sem reconhecer o empenho metafísico no seu fundamento. Mas, é claro que, eu não concordo com a alegação que a metafísica não é racional. Considera-se o que Carnap permite no reino da epistemologia:

Em última instância, todo conhecimento volta para a experiência, a qual é relatada por um outro, conectada e sintetizada; assim há um progresso lógico que leva, primeiro a várias entidades de minha consciência, então aos objetos físicos, ademais, com o auxílio do último, para o fenômeno da consciência de outros sujeitos, i. é, para heteropsicológico  e por meio da mediação do heteropsicológico para os objetos culturais. Mas isto é a teoria do conhecimento na sua completude (Carnap 1967: 286, itálico nosso).

Isto soa muito suspeito, e minha suspeita nasce exponencialmente quando Carnap admite que aqui talvez pareça ser realismo no fundo de um procedimento prático das ciências empíricas (ibid). Nesta diferença, Carnap diz que devemos ter cuidado de distinguir o uso linguístico e a assertiva atual, pois ela é o primeiro tipo de realismo que é envolvida com a física e tal. Isto é dificilmente convincente; ver novamente a passagem acima citada. Não parece que há um salto significativo entre “as várias entidades de minha consciência” e “objetos físicos”? Haveria, pois isto é exatamente o salto que é usualmente questionado em oposição ao realismo. E isto, de fato, é o “free lunch” ontológico que eu penso que Carnap está tentado ter: receber coisas boas do realismo sem fazer qualquer compromisso com os fundamentos metafísicos. Realismo pode dificilmente ser fundado no uso linguístico e na convenção. Ademais, Carnap insite que a metafísica é uma disciplina não-racional e que a disputa entre realismo, idealismo e fenomenalismo assim não pode ser resolvida por sentido racional, mas me parece que Carnap mesmo está tentando dar um argumento racional para o realismo, embora, deixando muito a desejar, o funda no uso linguístico e faz o caso um bocado menos convincente. Assim, se ele quer ou não, Carnap é de algum modo um metafísico – do tipo aristotélico.



[1] [1] Tradução para fins didáticos utilizado na disciplina de Problemas Metafísicos I: Ontologia na UCDB (2017). (N. do T.)

terça-feira, 30 de maio de 2017

AULA: 08/06/2017

TAHKO, T. E. Kant and the possibility of Metaphysics. In: The necessity of metaphysics. PHD. Thesis (Department of Philosophy) – Durham University, 2008, pp.33-44. (Tradução: Me. Victor Hugo de Oliveira Marques)

KANT E A POSSIBILIDADE DA METAFÍSICA[1]

No capítulo anterior, sugeri que minha concepção de metafísica é mais aristotélica do que kantiana, e dissemos o que a metafísica aristotélica significa de fato.  Na sequência, examinarei a metafísica kantiana e a crítica de Kant à metafísica de modo similar. Tal como Aristóteles, devo novamente enfatizar que o que chamo de metafísica kantiana não tem necessariamente muito a ver com a concepção mesma de Kant de metafísica ou com os detalhes de sua teoria – independentemente da visão própria de Kant, é claro que ele tem tido uma enorme influência de todos os metafísicos desde então. Veremos, portanto, que Kant pode realmente ser lido de um modo não muito hostil ao sentido que eu previamente chamei de metafísica aristotélica. É digno de nota ainda que, quando me refiro à influência negativa de Kant para a metafísica – como farei ao longo desta tese – minha briga não é tanto com Kant enquanto tal, pelo contrário, é mais com certas interpretações do que com o significado da crítica à metafísica propriamente dita.

Um tópico que Kant contribuiu, e do qual é certamente muito compatível com a linha aristotélica de pensamento, é a natureza da metafísica como uma disciplina. Na verdade, a questão de Kant: “como a metafísica, como predisposição natural, é possível?” (B 22) é ainda uma das questões mais difíceis para os metafísicos. A resposta de Kant, claro, é bem familiar: tudo pode ser alcançado sob os juízos sintéticos a priori. Esta via, portanto, não obstante sua nobre motivação subjacente, não é satisfatória para alguns que pretendem permanecer no domínio da metafísica realista. Apesar da tentativa de Kant de abandonar a metafísica dogmática, sua concepção de a priori o conduz a uma difícil posição. Com isto, refiro-me nada mais que o familiar problema de afirmar que a geometria euclidiana é a priori, a qual, por meio da compreensão de Kant de a priori, quer-se dizer que ela é, de fato, necessária. Mas como é bem sabido, a teoria da relatividade e a mecânica quântica levantam inumeráveis problemas para as verdades a priori supostamente necessárias. Neste caso, parece não haver um modo particularmente kantiano de lidar com isto, como Penelope Maddy (2000: 102) coloca. Este impasse, certamente, não deve forçar-nos a abandonar totalmente Kant. Tal como será visto, o que nos parece é que a concepção de Kant de a priori deve meramente ser posta em questão. Infortunadamente, isto nos levaria a um desnecessário ceticismo a respeito de nossa capacidade de alcançar o conhecimento do mundo enquanto tal.  Por outro lado, uma vez que já se estabeleceu que a busca desesperada da necessidade é que nos leva a este ceticismo, podemos,  da mesma forma, ver que o projeto de Kant não tem um terreno a oferecer para a metafísica realista.

Primeiro, vamos examinar qual é realmente a concepção metafísica de Kant.  Já no prefácio da Crítica da Razão Pura, Kant oferece uma consideração do que a metafísica é:

Metafísica – uma cognição especulativa da razão absolutamente a parte que se eleva inteiramente acima de toda instrução da experiência e isto por meio de meros conceitos (não, como a matemática, por meio da aplicação de conceitos à intuição), a qual a razão, assim, é considerada sua própria discípula. – não tem sido, até agora, tão favorável pelo fato de não ter sido capaz de entrar no curso seguro de uma ciência, embora seja mais antiga que todas outras ciências e permaneceria ainda que todas as outras fossem devoradas por um barbarismo voraz. Pois nela, a razão permanece continuadamente presa mesmo quando alega a intuição a priori [como ela pretende] naquelas leis confirmadas pela experiência comum (B xiv).

Nesta passagem, Kant expressa sua hostilidade a um tipo de metafísica dogmática que Leibniz, Wolff e Baumgarten estão envolvidos[2]. O problema que Kant vê com o projeto desta metafísica tradicional é que ela nunca poderá chegar ao curso seguro de uma ciência. Para tornar possível o avanço da metafísica ao nível de ciência, algo deve ser feito. Frustrado com o total fracasso dos metafísicos dogmáticos em alcançar algum tipo de consenso ou resultado convincente, Kant introduz sua famosa revolução e sugere que talvez devêssemos assumir a tarefa de tentar acessar os objetos com a ajuda de um raciocínio a priori, e mais, admitir que os objetos devam conformar a nossa cognição (B xvi). Eu denominei esta revolução de famigerada porque ela me parece ser precisamente o ponto de viragem onde o ceticismo vence o realismo.  A partir deste ponto, Kant abandona a ideia que poderíamos mesmo chegar ao conhecimento do mundo exterior. Porém isto também é uma conclusão precipitada.

Para obter alguma intuição no que está sendo exposto aqui, deveríamos considerar, em primeiro lugar, porque Kant escolhe o caminho cético. Eu acredito que duas coisas contribuíram para isto: [1] a concepção metodológica da metafísica tal como Kant tinha aprendido desde os metafísicos dogmáticos como Leibniz e Wolff, e [2] a visão supra-otimista do poder do raciocínio a priori. A primeira já aparece na passagem citada anteriormente: Kant concebe a metafísica como uma disciplina em que ela é inteiramente a priori, consistindo de raciocínios que incluem somente meros conceitos. Talvez haja ainda alguns metafísicos que sejam inclinados a dizer que isto realmente seja a metafísica[3], mas a maioria dos metafísicos modernos claramente admite elementos a posteriori em suas teorias. É exatamente o desespero da abordagem conceitualista que subjaz a isto, e não é espantoso que Kant admitisse ser impossível para a metafísica alcançar o status de uma ciência à medida que ela tivesse tal concepção. Porém, isto não explica porque Kant tomou o caminho que de fato ele traçou, uma vez que ele poderia apenas ter revisado sua concepção de metafísica, admitindo elementos a posteriori nela. Por outro lado, para Kant, havia pelo menos uma disciplina que era completamente a priori e bem satisfatória: a matemática (embora ele especifique que a matemática procedia da aplicação de conceitos à intuição, diferente da metafísica). Parecia ser difícil imaginar porque a metafísica não poderia ser totalmente a priori, se a matemática era. Seja como for, isto ainda não é suficiente para explicar a necessidade de Kant abandonar toda confiança de chegar ao conhecimento do mundo exterior.

A explicação que estamos procurando pode ser encontrada a partir da não tão clara verdade de Kant a respeito de nossas capacidades a priori. É precisamente a matemática que Kant usa para exemplificar o poder de um juízo a priori. Aqui, contudo, não discutirei se a matemática é realmente uma disciplina a priori ou não, mas, para mim, é bem plausível que ela contenha ao menos alguns elementos a priori. O problema, porém, não é se a matemática é a priori ou não, mas se o juízo a priori é capaz de reter necessidades. Kant coloca sua visão como segue:

Uma nova luz irrompeu sobre a primeira pessoa que demonstrou o triângulo isósceles [...]. Pois ele encontrou esta demonstração não por traçar o que ele viu nesta figura, ou mesmo seu mero conceito, compreendendo-o desde as propriedades da figura; mas, pelo contrário, ele produziu, a partir desta última, o que ele mesmo pensou no interior do objeto e representou (por meio de construção) em acordo com conceitos a priori, e que, em razão disto, para conhecer algo seguramente a priori, ele nada atribuiu à coisa, exceto o que segue necessariamente desde que ela mesma tenha posto em acordo com seu conceito (B xi-xii).

Até aqui tudo bem: para Kant, o juízo a priori delimita estritamente com necessidade. E como os metafísicos dogmáticos não parecem chegar a um consenso, já que eles obviamente deveriam ter, pois necessidades são envolvidas, torna-se evidente que algo foi feito errado em um nível fundamental.  Como Kant disse, o único modo de sustentar a necessidade era virar a figura de cabeça para baixo e reconhecer que nós não podemos obter conhecimento sobre os objetos em si mesmos. A única certeza é que nossa cognição adapta estes objetos em um certo modo.

Evidentemente, hoje temos plena consciência que os axiomas euclidianos concernentes ao triangulo isósceles não são de forma alguma necessários. Isto nos leva a duas opiniões: ou temos que dizer a geometria euclidiana, afinal de contas, não era a priori, ou temos que renunciar a necessidade envolvida com o a priori. Assim, o caminho que Kant quer tomar não é aberto a nada mais: seu idealismo transcendental não é capaz de sustentar a distinção entre conhecimento a posteriori e a priori (Maddy 2000:102). Efetivamente, isto deixa a questão duvidosa, pois a necessidade que Kant tão ardentemente desejou tem sido derrubada e isto nos coloca em uma situação em que temos que escolher entre o realismo empírico puro ou o genuíno ceticismo.

Felizmente, nós não temos que tomar esta rota. Há um terreno que é útil no projeto de Kant e seria uma pena jogar fora. Eu penso que podemos salvar tudo isso se derrubarmos a velha concepção formada de a priori. Há de fato outra razão para fazer isto também, pois parece que a tradicional concepção (cartesiana) de a priori é bem vulnerável a objeções. Isto não é surpreendente, conforme temos visto, para onde ela nos leva. Porém, eu ainda estou querendo defender uma visão de metafísica que ainda leva em conta muito o a priori. Talvez não o suficientemente forte como Kant sugeriu, pois certamente deveríamos admitir elementos a posteriori na metafísica, mas, no entanto, é o juízo a priori que é o centro da metafísica.

Então, deveríamos mudar nossa concepção de a priori? Bem, é claro que de algum modo temos que evitar o fim-último que vimos em Kant. Em outras palavras, temos que lidar com o fato que a geometria euclidiana não é suficientemente necessária como Kant pensou. Não obstante pudéssemos tentar negar a aprioricidade da geometria euclidiana, não vejo realmente como isto pudesse ser feito. Pois ainda que concluíssemos que, neste caso, nossa capacidade psicológica, ou alguma coisa semelhante, falhasse e produzisse a incompreensão, não explicaria o fato de que em muitos casos a geometria euclidiana é mais que suficiente. Parece óbvio que alguma coisa foi apreendida, e esta alguma coisa foi apreendida sem ajuda de um conhecimento empírico. É claro que deve ter sido um caso de juízo a priori. Logo podemos fazer mais: reconhecermos que, ainda que a informação seja alcançada com a ajuda de um juízo a priori, ela é revisável. Obviamente isto tem algumas importantes implicações, pois isto quer dizer que nenhuma disciplina, seja a posteriori ou a priori, nem mesmo a metafísica, pode alcançar certezas. Para alguns, isto pode ser difícil de aceitar, mas eu realmente não vejo porque isto seria uma coisa ruim, ademais, isto é alguma coisa que a ciência tem experimentado o tempo todo. De fato, acredito que aqui está nossa resposta à questão de Kant, ou seja, como é possível a metafísica como ciência. Bem, a metafísica é possível como ciência apenas se sua revisibilidade e falibilidade forem reconhecidas[4].

Acredito que é ligeiramente complicada, para Kant, uma solução como esta, uma vez que ele parte sua análise exatamente da consideração de como a metafísica poderia alcançar um caminho seguro da ciência.   Ele repetidamente usa a matemática e a física como exemplos e nelas parece haver uma enorme verdade, especialmente na matemática. Porém não importa quão seguro seja o caminho da ciência, ela não permanece assim se não for revisável. Talvez precisássemos de Einstein e da mecânica quântica para efetivamente mostrar quantas coisas poderiam estar erradas mesmo nas mais elaboradas passagens de um juízo a priori, porém parece claro que o tipo de necessidade que Kant quer associar com ele [com o juízo a priori] está perdido para sempre.

Tendo dito isto, devo acrescentar que encontro no projeto de Kant bastante frutos para a metafísica, ainda que ele tenha certamente motivado algumas das muitas atitudes anti-metafísicas enquanto tal. Deixe-me ilustrar alguns destes aspectos positivos. Primeiro de tudo, Kant mais ou menos restabeleceu a metafísica do dogmatismo que tinha prevalecido por bastante tempo, embora Kant mesmo credite Hume por isto. Segundo, sua tentativa de resolver se e como a metafísica poderia tomar o caminho seguro da ciência é metodologicamente de máxima importância, ainda que ele não despenda muito mais tempo com discussões metodológicas. Isto é uma coisa que as teorias metafísicas modernas também carecem amiúde. Terceiro, penso que ele fez um importante trabalho ontológico, não importando o fato de que ele o fez na estrutura do mundo conforme ele aparece para nós.  Diferentes outras leituras de Kant tornam-se necessárias para metafísicos realistas. Tenho assumido acima uma leitura mais rígida de Kant, porém se a questão pode ser feita com esta leitura, então ela certamente pode ser feita se Kant for interpretado um pouco menos ceticamente.

O que torna a teoria de Kant ontologicamente interessante é que suas categorias podem ser tomadas para refletir a efetiva estrutura categorial da realidade. Depois da revisibilidade do a priori ter sido admitida, este movimento é bem fácil: podemos fazer muito só com a ajuda do a priori antes de ter de voltar para a informação empírica para verificar nossos resultados a priori. Contudo isto quer dizer que para receber a estrutura efetiva da realidade, temos que, também, ver como as coisas aparecem para nós empiricamente. Assim, qualquer rumo que tomemos aqui, o procedimento básico de alcançar qualquer tipo de informação racional é sempre o mesmo, ou seja, testando se nosso resultado a priori adéqua ao quadro empírico. Sem muita especulação, emerge que isto é exatamente como a ciência procede.  Não faço pensar que Kant negaria isto, pois com respeito a matemática e ciência natural ele diz o que segue: ‘Sobre estas ciências, desde que elas são atualmente dadas, elas podem apropriadamente ser indagadas como elas são possíveis ; para que elas possam ser possíveis é provado por meio de sua atualidade’ (B 20). À luz desta citação, parece claro que Kant está bem confiante sobre a possibilidade de uma “matemática pura” e uma “ciência natural pura”, tal como denomina – estas disciplinas ‘puras’ são, tal como as compreendo, naturalmente a priori. Porém, o que garante que elas são possíveis é que elas são efetivas. Eu não me oponho a isto, pois é tal como eu sugiro acima. Parece que a metafísica não é diferente no que diz respeito a esta acomodação entre a priori e efetivo. De fato a metodologia é idêntica: delineamos as possibilidades ontológicas a priori e, então, vemos quais daquelas são atuais. Isto implica que a metafísica e a ciência caminham lado a lado[5].

Alguns aportes para esta leitura pode ser encontrada nos Fundamentos Metafísicos da Ciência Natural de Kant. No prefácio, Kant sugere que:

Uma doutrina racional da natureza assim merece o nome de uma ciência natural só no caso de nisso as leis naturais fundamentais serem reconhecidas a priori, e não serem meras leis da experiência. Denomina-se pura, uma cognição da natureza de primeiro tipo, e a de segundo tipo é denominada de cognição racional aplicada. A primeira palavra natureza já carrega com ela o conceito de leis, e a última carrega com ela o conceito de necessidade de todas as determinações de uma coisa ser ao longo de sua existência, facilmente se vê porque a ciência natural deve derivar a legitimidade de seu título só de sua parte pura – particularmente, isto que contem um princípio a priori de todas outras explicações naturais – e porque só em virtude de sua parte pura é a ciência natural ser propriamente ciência (4: 468-469).

Aqui nós vemos bastante claro que Kant compartilha a visão de Aristóteles que ciência natural tem algo metafísico, um fundamento a priori. Kant foi bastante inspirado pelo desenvolvimento da ciência no fim do século XVIII e nos Fundamentos Metafísicos da Ciência Natural ele tenta caracterizar algo dos princípios a priori que governa o estudo da natureza, tal como a divisibilidade infinita da matéria (4: 503). Novamente, Kant enfatiza que os princípios que fundam as leis naturais devem ser necessários. Fortemente influenciado pelo recente sucesso de Newton, ele considera a parte a priori da ciência para ser largamente matemática e isto, para ele, garante a necessidade de uma fundação metafísica da ciência. Posteriormente demonstrarei como uma consideração perfeitamente possível dos fundamentos metafísicos da ciência podem ser postos em termos fabilísticos, por outro lado devemos ser justos com Kant e tomá-lo dentro do contexto científico de seu tempo, que fortemente sugere que uma descrição completa da realidade física apenas estava atrás do canto.

Kant é ciente da revolução científica que se seguiria, ademais eu suspeito que ele  teria revisado sua visão radicalmente.  Isto apenas subscreve o fato que metafísica e ciência são um mesmo pacote e, não obstante minha simpatia com a ideia de Kant de que haja fundamentos metafísicos para a ciência natural, parece que a relação entre estas disciplinas tem ido a ambos os modos. Mas esta questão será posteriormente discutida com mais detalhes. Por agora é suficiente notar que enquanto a pretensão de certeza de Kant pode parecer haver uma metafísica indeterminada na sua forma mais ingênua, sua obra como um todo, pelo contrário, oferece uma grande ambição: uma parte também ambiciosa da visão da natureza da metafísica e sua relação com a ciência natural. Eu creio ter demonstrado que Kant, talvez, não tenha sido tanto um adversário do realismo metafísico, mas pelo contrário um realista metafísico na veia de Aristóteles, mesmo discordando  de sua pretensa certeza absoluta.



[1] Tradução para fins didáticos utilizado na disciplina de Problemas Metafísicos I: Ontologia na UCDB (2017). (N. do T.)
[2] Para a discussão sobre a crítica de Kant aos metafísicos tradicionais como mencionado, conferir Ameriks (1992). (N. do A.)
[3] Vem-me a mente: Frank Jackson, conferir capítulo II: 3, para discussões ulteriores (N. do A.).
[4] A natureza do a priori é um tema recorrente nesta tese. Isto serve como um ponto inicial, mas a discussão principal será proposta no capítulo II:08. Ver também Friedman (2000) para a discussão sobre a reconciliação da ciência moderna e o a priori kantiano (N. do A.).

[5] Retornaremos a esta questão em maiores detalhes no capítulo II:5-7 e 9 (N. do A.).

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